Action Arts TV - Music And Player

Sem Pressas

Entra em todas as portas! Se não tiveres tempo hoje, regressa quando te apetecer ou precisares. Cada texto é uma audição, uma sala em que te encontras só em meditação, e cujas paredes vão progressivamente mudando de cor para auscultares o centro do teu Ser. A Beleza transcendente de um encontro com a tua própria consciência. Abraços. Germano Vaz.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

BUCKINGHAM PALACE




A Sua Majestade Rainha Isabel II
De Inglaterra
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Londres, era para mim uma espécie de mito. Um universo distante e inacessível, desde que dei por mim ao cimo da Terra. Venho de uma micro-colónia industrial inglesa, instalada no Concelho de Mértola no alvor do Século XIX, para dar lugar à exploração dos metais e outros elementos nos subterrâneos da Mina de S. Domingos.
Os mandatários da antiga Roma, enviados para o controlo do Ocidente da Ibéria, depressa se aperceberam que o Morro de S. Domingos escondia enorme potencial de riquezas. Escavaram galerias que ainda hoje são visíveis a partir dos observatórios turísticos instalados recentemente no sítio pela Câmara Municipal de Mértola, sobre o gigantesco patamar de escória e resíduos, deixados ao deus-dará pela magnânima administração inglesa.
Eu vi como tudo aquilo funcionava. Por algumas vezes vim de casa, situada a seis quilómetros da mina, de cesto na mão com a refeição de almoço, para entregar ao meu pai. Que por último trabalhava à boca do túnel no controlo da corda-sem-fim. Um espesso cabo de aço multi-filar onde eram enganchadas as zorras, pequenos vagões que circulavam sem parar, entre as profundezas negras da Terra e o Cais de transfega. Primeiro dos pontos para o acesso das substâncias minerais aos pólos siderúrgicos da Grã-bretanha.
Por tanto… Almocei por algumas vezes no ambiente de trabalho dos mineiros. Gravando na memória dos meus sete e oito anos, os sons e as imagens que ainda não vi reproduzidos em qualquer minuto de todo o volume de filmes e documentários até hoje realizados sobre o enorme complexo.
Inglaterra era pois um mundo distante e inacessível, desde então e até há pouco tempo. Até que um dia, um conjunto de ex-alunos meus se foram fixando um a um, no Canal de Música para jovens, MTV, situado em Camden Town , na ala norte de Londres. Comecei então o meu per-curso regular desde 2005 entre Lisboa e Londres e deste modo, os meus alunos me têm retribuído a dádiva da experiência transmitida, em alojamento, refeições e aprendizagem da geografia de Londres, e já também, de muitos outros pontos do país, nesta minha espécie de tirocínio sobre a Real Sociedade Inglesa.
Embora, tenha vindo ao mundo enquadrado numa figura de Estado regulada por um doentio e sarcástico sistema republicano, não sinto qualquer adversidade de simpatia, pelas monarquias, sempre que estas saibam interpretar a lição das formigas e das abelhas. E mais do que fazer ressurgir ou crescer qualquer império, conduzir as suas populações rumando ao grande destino das humanidades, em que todos participem com o seu melhor, ninguém se torne abastado em desmedida proporção, e todos tenham direito à oportunidade e ao suficiente. Pois que, dado o tempo médio de vida na espécie humana, mais não será necessário, para que todos possamos sair um dia deste mundo, livres de qualquer revolta, porque um outro nos devorou ou absorveu indevidamente parte ou a totalidade do nosso quinhão.
Precisava de ver. De observar em pormenor os materiais e contornos dos portões de Sua Majestade Rainha Isabel II. O Palácio de Buckingham, inicia os seus domínios geográficos logo a partir dos enormes arcos em Trafalgar Square. Passados estes dois imponentes arcos, temos quarenta minutos a pé, em linha recta até ao Palácio. O que fica desta enorme alameda sempre ladeada por frondosos jardins, é de que é o local ideal para as paradas e cerimónias militares. De facto, todo o perímetro de jardins do Palácio está disponível e aberto ao público permanentemente. A ala mais exuberante é a dedicada à província do Canadá. Aos portões que me levaram ali, já os de acesso às zonas de actividades oficiais e residências, transportei através da observação e do tactear o aço, o cobre e o bronze poderosos e espessos, uma espécie de memória, em devoção e apreço aos que recolheram estes metais das profundezas de S. Domingos. Dois soldados guardiões, imóveis como estátuas, só interrompem aquela ausência de movimento, quando substituídos por outros, ao fim de duas horas. Não desisto deste filme e quiçá até, se um dia consigo entrar ali dentro… Enquanto em Mértola se observam os restos da velha mina inglesa a partir dos miradouros assentes nas escórias, e diante de águas ácidas por deter e controlar, eu procuro uma oportunidade para dialogar com a Primeira Soberana do Palácio de Buckingham.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 11/2009.
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domingo, 22 de novembro de 2009

Em Nome do Pai...


Em Nome do Pai
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Que diria Jesus de Nazaré se, ao que nos era proposto a sua viva presença tivesse retornado à Terra, ou na verdade, enraizada no coração dos homens… Estremeceria, talvez de surpresa, de espanto e de arrependimento. Pelo derramar do seu talento intransponível, da sua dedicação e sofrimento. Por paixão, que no terreiro planetário se esfuma atrás de um milhão de argumentos, sempre repetidos no reinventar da miséria da filosofia dos que por cá ficaram, e em muitas mais desculpas procuram depurar nos oratórios dos fóruns, essa provocação universal que espraia o vazio sobre as sensibilidades e o pensamento, entre a mensagem primordial e todo o tempo de mais de dois milénios, desde, mesmo antes do seu assassinato, até aos presentes dias.
Escolhi Mértola como cenário, porque atrás daquela luz, bem podia estar o pátio em que o Divino Complacente reconfortava alguns dos seus seguidores mais sofridos. Enquanto sua mãe o procurava para o alertar sobre os perigos eminentes que ele corria. Aliás, perseguido e ameaçado sempre, desde Herodes a Pôncio Pilatos. Um dos seus irmãos, de quem não via bem o rosto mas que me parecia ser Tiago, junto a ela, dizia-lhe: Vês…! Olha para ti e não reage. Nem sequer te reconhece. É como se não existisses. - Como podes tu julgá-lo dessa maneira? Só o amor que o envolve àqueles sofredores o pode ter obrigado a ignorar a nossa presença… E nisto o irmão de Jesus afasta-se como se não corroborasse das palavras e certezas de sua mãe. Maria, sozinha então, voltava a mostrar-se a Jesus a uns trinta metros de distância e depois, de novo se ocultava atrás de uma esquina. Só por uma vez, Jesus cruzou o seu olhar com o de sua mãe, e nem aí deixou transmitir qualquer sinal que lhe dissesse que podia esperar por ele. A imensa fila de desalentados tinha reduzido de tamanho e um dos seus assistentes avisa-o de que devem seguir para a praça da cidade onde o aguardava uma enorme multidão para o ouvir. Maria, tinha então abandonado a espera e já retomava o caminho de volta. Sabendo das convicções de Jesus, conhecendo a Natureza da sua infinita generosidade, regressava a casa firme do seu amor, mas não sabendo esconder alguma tristeza por o filho não a ter recebido. Por não poder transmitir-lhe as suas inquietações de mãe, acerca das perseguições acéfalas que lhe movia o governador da Judeia.
- Mãe…! - Maria interrompeu os passos. A expressão do seu rosto alterou-se. De uma nostalgia contida para uma luminosidade de esplendor único, só atribuída à inocência. E voltou-se para ele já a sorrir. Jesus deu mais uns passos e chegou até ela. Nunca os olhos de Jesus libertaram tanto brilho. Nunca o seu rosto disse amar tanto como naquele instante. Abraçou-a e disse-lhe: - Tenho de ir. Não posso interditar o caminho. A multidão espera-me na praça. Estão ansiosos por me ouvir. Maria recuperou as suas forças e ficou a olhá-lo serenamente, enquanto Jesus se dirigia para a Ágora. Para além de saber que aquele era o último discurso de Jesus, Maria sabia também que a sua entrega plena àqueles a quem aliviava o sofrimento momentos antes, foi o único motivo da espera em que ele parecia nem sequer reconhecê-la. Este foi o último abraço, o instante em que ela viu o filho em liberdade pela última vez. Só através do amor entregue neste momento, é que Maria pôde superar a dor tremenda que lhe fora causada por todo o posterior sofrimento do filho.
Devo poder contar apenas pelos dedos das mãos, as sensibilidades que em todo o Universo conhecido, agiram perante os outros em conformidade com estas orientações. Tudo o que a governança do Mundo, da escala mais medíocre á mais descomedida possa dizer para justificar a ausência de solidariedade, que espelha o açambarcar de riquezas acumuladas, na posse dos imperadores da actualidade, desde as seis corporações de banqueiros que controlam o dinheiro de todo o Mundo, até á politicazinha de paredes-meias com os nossos casebres, são entretenimentos para suster a razão dos menos remunerados e legalizar o descalabro, o desvario que sujeita a Humanidade à proibição de ter esperança e de ter Justiça. Até da esperança, as habilidades da retórica e da propaganda fazem alegorias e vitórias. Para logo a seguir, transformarem os sonhos que fazem parte da nossa estrutura ancestral, em contentores de vácuo e de ruína.
Onde estão as décadas de promessas contínuas para o debelar das crises? Onde estão os Séculos de experiência colhida dos horrores das colonizações e das guerras? Onde está o conteúdo, o significado de igualdade reclamado no ímpeto poético das Revoluções? Onde está o poder da arte que sustenta as ogivas das catedrais? Talvez seja só poder, porque a Arte reside na fé onde se potencia o espírito de cada Ser. Onde está a capacidade dos reverendos perverterem, ou mesmo só contornarem a fidelização cega ao seu imperador, e colocarem-se em campo para seguirem o chamamento da pureza e da dignidade do espírito como verdadeiros missionários...?
De repente, parece que o Mundo deixou de ter fundo-de-maneio a circular… Aprisionaram-no no pragamatismo da crise. As televisões abrem as notícias com espectáculos de pavor, para que o intervalo dos anúncios renda mais do que o do dia anterior. Os Canais das novelas embalam os cérebros para as realidades saberem a ficção. A cidade do cinema da Califórnia propõe aos jovens de todo o Mundo, uma estrutura de pensamento, que exala violência e distânciamento da solidariedade. Uma frieza vítria e perigosa...! Quantas escolas são metralhadas em cada ano? Onde nasce o desnorte que produz tal aberração? Quem arrecadou o dinheiro de repente…? Quem é que fabrica marginais...? Por onde passa a retoma…? Pela inflação, ou pela deflação…? Qual é o índice de sub-escravos postos na rua em cada dia...? Qual é a peste que vai provocar a próxima pandemia? Que dirá a isto a Justiça, ou ela é formada sob o manto de quem manda...? Jesus e Marx fundiram-se em José Afonso... Quem deu por ela...? Já tem cama e sepultura, toda a Terra… Pai, perdoa-lhes. Que eles não sabem o que fazem…!
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 11/2009
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segunda-feira, 8 de junho de 2009

Atlas Filmes - Estúdios







O Complexo do Cinema
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Longe de mim saber que ia ao encontro deste espaço, singular em toda a viagem. Lugar onde são rodadas as grandes produções épicas que nos chegam através dos circuitos de distribuição cinematográfica mundial, e que lhe conferem a dignidade de um enorme complexo do Cinema.
Apesar da minha íntima ligação desde sempre, às artes da imagem em movimento, sinto-me a aplicar mais as minhas energias em torno da concepção de obras documentais, que inevitavelmente se ligam às necessidades de sobrevivência quotidiana, do que propriamente na identificação dos espaços e nomes de produtoras ou personalidades que estimulam em primeira linha as correntes que alimentam as ilusões da fama e da visibilidade dos afortunados do talento. Talvez por entender que a arte existe para cumprir uma missão na evolução do pensamento e das sensibilidades. Não para nos envolver de sugestões altamente nocivas, deturpadas e perturbadoras, sobre a relação entre a arte e o artista e entre estes e a sociedade.
Mas aqui, nos arredores de Merzouga, onde estacionámos em cumprimento de itinerário, arrebatou-me a surpresa da Atlas Filmes, quase em pleno deserto, expondo as suas estruturas a uma escala impressionante. Que acabou por me resumir a satisfação em uma vontade de sempre, de visitar Holywood ou também a CineCitá, nos arredores de Roma.
Neste imenso complexo foram já filmados "O Último Imperador", "Cleópatra", "O Gladeador", entre um infindável volume de obras, exibidas nos circuitos do cinema mundial. Neste momento filma-se a nova versão de Ben-Hur, que em breve poderemos ver nas nossas salas de cinema.
As excepcionais condições de Luz e uma disponibilidade total dos horizontes, permite a produtores, cenografia, e realização, desempenhos e resultados plásticos plenos, de acordo com a especificidade das produções regularmente introduzidas neste grandioso complexo de estúdios.
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Para o Comandante António Vilela, pela oportunidade desta visita e sua indubitável componente cultural.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesad de Autores - 6/2009.
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domingo, 17 de maio de 2009

Os Pastores... Os Motores...







Ox Alá
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Nos tempos actuais assistimos por todo o mundo ocidental a um incontestável quebrar de afectos entre o Homem e a Natureza. Realidade que, parece estar a inverter a ordem dos seus factores. E se propõe alterá-los, é porque começou a perceber que perverteu e desvirtuou a parte mais sensível do caminho, que tanto importava estimar e proteger.
A necessidade de domesticar animais que sensibilizou a humanidade na passagem da Era Megalítica para a Era Histórica e Civilizacional, e que lhe formou em muito o que tem sido a evolução do pensamento, sofre no presente momento um corte obtuso de relacionamento e de laços, que o atiram sem quase dar por isso, para uma desolação e uma perigosa frieza no conjunto das relações e convivências. Deixando observar a uma escala de enormidades, a degradação da Aliança, que ao Homem foi confiada pelo mais íntimo da Criação.
As cercas de arame cravado de farpas, como os espinhos da coroa do Crucificado, e as mais sarcásticas ainda, que actuam por electrocussão agredindo-os com violentos choques eléctricos, que na des-economia da habilidade e da mentira foram instaladas para limitar a vida animal a simples materiais de consumo, e por outro lado, para que as vedações substituam a mão-de-obra dos Pastores, é na minha apreciação um dos maiores vandalismos da História. Só quem partilha de perto, os diálogos que um pastor estabelece com o seu rebanho e a resposta recíproca deste em seu seguimento, pode perceber o contraste desta diferença anómala, tristemente acéfala e irracional.
Do meu olhar recente a este Mundo de encantamentos, um deles, tão enorme e virtuoso como sentir no pleno da noite o calor das Estrelas, é observar e sentir que os laços antigos entre os homens e os animais, que o mais longínquo da Existência nos confiou, ainda se exprime num vigor intacto e surpreendentemente afectivo.
Aproveitando as últimas linhas de água que vão humedecendo as raízes dos vegetais ao longo de centenas de quilómetros, os pastores e as suas gentes, apascentam os animais, e estimam-nos como se de si mesmos se tratasse.
No meio deste grandioso reduto da vida, eu, deslumbrado com tudo o que podia percorrer aquém e além do presente, interrogo os meus silêncios, que quase sempre são o mais forte dos diálogos, sobre a legitimidade deste desfile de máquinas poderosas que nos trouxe até aqui. Para, no centro desta profunda interrogação, logo me surpreender o ruidoso impacto de um grupo de viajantes montados em veículos de duas rodas, quiçá como cavaleiros do desespero.
Se esta é a alternativa, a única possibilidade de chegarmos aqui para tornar legível o registo, de que toda esta última riqueza do Planeta deve ser poupada às calamidades da sub-civilização dos mono-tipos biológicos e fraternais, então, bem-hajam os motores. Exista neles ao menos uma virtude ou ponderada consequência, dentro de todo o impressionante desperdício para que foram criados.
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Para o amigo Carvalho, mecânico de serviço na expedição, homem generoso, sempre pronto a ouvir e a socorrer.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores-5/2009.

domingo, 10 de maio de 2009

Jurassique Hotel





Amzouj

O Primeiro grande impacto com estes espaços gigantescos e esta Natureza, só aparentemente precária e débil, foi no cimo das montanhas de Amzouj, que deixam observar o enunciado das Gargantas do Ziz, num esplendor de luz e geologia, que me indicaram o mais certeiro dos destinos.
Lá em baixo, as tonalidades do rio, prosseguem como uma lava de prata já purificada, dirigida aos olhos e ao virtuosismo dos artesãos de joalharia. Fugaz e breve, este instante que nos ofereceu tão memorável riqueza, anunciava-nos uma sequência de constantes surpresas que nos preenchem e removem por dentro, buscando em nós a descoberta para outra dimensão do apreço pela Terra e pelos Seres que a habitam, que talvez já supuséssemos erradicado da nossa sensibilidade.
Na noite anterior decorria a encenação bem divertida de um casamento berbere, entre o primeiro herdeiro do trono Jurassique, e a Zeza, que em Mértola lida diariamente com euros para sugestões agrícolas.
Zeza e Gui, partilhavam o banco traseiro da Strakar do amigo Malagueta. Como a esta viatura foram atribuídas suspensões traseiras uniformes, sustentadas por molas de lâminas como as das antigas charretes, de cada vez que as duas musas saiam numa pausa, quase precisavam de uma bengala adequada à terceira idade. Mas as queixas nos quadris eram passageiras. Tanto mais que Zeza, ensaia dança oriental em Mértola e depois do Jantar no Jurassique, Gui não lhe deu descanso enquanto não a fez decidir-se a dar-nos uma exuberante exibição.
Aqui é normal os bailes ocorrerem na base de performances masculinas, tal como já se haviam pronunciado. Mas uma vez vestida a rigor, Zeza entrou na dança e de imediato partiu o coração aos nativos. Que até ali dançavam com o estímulo apenas pela metade.
A seguir, a cerimónia matrimonial entre Salam e Zeza assente nas regras berberes, quase se assumiu como real. Entre promessas de transmissão da herança do palácio para a posse da noiva, e a nostalgia de um noivo crente e convicto, quase não foi possível desmontar o que à partida se tomou como uma cena de teatro.
Apesar de divertida, a noite, no salão principal do hotel, saí até ao exterior para apanhar ar e de imediato me surpreender com uma atmosfera calma e sereníssima, purificadora. A Terra aqui, a Lua além, entre estrelas agitadas e luminosas, chamaram-me à memória José Afonso e a sua extraordinária canção "Eu Dizia", que introduzi no pequeno filme "Entre as Estrelas e o Chão", para o Centro de Interpretação da Paisagem da Amendoeira da Serra.
Alessandro, um jovem luso-italiano vindo do Algarve, interceptou-me no isolamento da contemplação e afirmou com a voz de um monge que busca a perfeição: - Como está espiritual este céu, esta noite... Aqui, as estrelas brilham mais. Dão-nos energia e força. - Sobre tudo força espiritual! Disse-lhe. Que é a mais benévola e essencial. E já nos parece tão rara, suspensa, até interdita, naqueles lugares de onde viemos...
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Para o Salam e para a Zeza, pela noite espectacular que nos proporcionaram.
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Copyright: Germano Vaz - Worlds Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009

terça-feira, 5 de maio de 2009

A Idade do Mundo







A Idade do Mundo
Se dos anéis internos dos fustes das árvores podemos definir ou determinar a sua idade, este é o lugar certo para aferirmos a idade do Mundo.
Este é o título que decidi atribuir a um projecto ainda em construção e que leva já muito de recolhas visuais e gestação no pensamento. Julgava eu poder dar-lhe o primeiro remate conclusivo com base nas recolhas que realizei nos últimos anos no âmago do chão de Mértola e no outro extremo em frente, junto do mar.
Ainda bem que, outros motivos me fizeram esperar. Pois agora sei que ele ficaria em muito deminuído se não estendesse o olhar e os sentidos a esta enorme massa geológica, em que se assenta todo o Norte do continente africano.
É óbvio que esta Idade do Mundo, surge sustentada pelos ímpetos poéticos que continuamente me orientam e movem. Mas, pondere, quem pretender dissociar na mais antiga aliança do conhecimento, a energia que estimula o interesse do cientista e o leva ao fundo das conclusões, e aquela que descodifica a mais íntima matéria dos Universos e a torna transparente, discernível, formada no espírito e emitida pelo fio óptico e sensorial do Prisma, que encerra todo o segredo da Poesia.
No dia da abertura da Expo 98, foi lançado para o Espaço num foguetão da NASA o primeiro satélite português. O Posat 1. Durante a longa emissão televisiva que fusionava os dois acontecimentos, uma das cientistas em interrogatório mediático afirmou: - Só há duas maneiras de conhecermos ou dialogarmos com o Universo. Uma é estudando astrofisica, e a outra está inscrita na sorte de ter-se nascido poeta.
Se a mim não me foi proporcionada a oportunidade de ser cientista em qualquer tempo da minha existênca e se aos sete anos de idade, fui pela mesma energia de hoje impulsionado a compor os meus primeiros versos, não será complexo poder definir que existem múltiplas formas de observação e análise do Universo e que a primeira se estabelece entre o ponto onde pões os pés e um outro, que é a superfície onde batem persistentemente os teus olhos. Ou para lá deles, até onde podem navegar os sentidos.
Destas superfícies visivelmente estractificadas, umas sobre enormes massas de xisto, outras vindas da irreverente inquietude dos vulcões, nos chega a inspiração que nos envolve e impressiona sobre a grandeza e o poder do Mundo. Sobre o seu poder generoso e por vezes austero, sobre a sua beleza infinita e a sua eminente fragilidade.
Sobre estas montanhas íngremes, enormes, quase apocalípticas, em que os olhos quase não vislumbram mais nada senão rochas, é ainda possível observarmos pastores e rebanhos em busca de alimento. Para nossa surpresa e espanto, num território em posição crítica de sobrevivência e sustentação, descobrem-se soluções indicadas pelos animais e rigorosamente interpretadas pelos seres humanos. Uma generosa troca, de ensinamento e aprendizagem levada ao extremo do exemplo, que permite a ambos permanecerem e prosseguirem juntos na enorme caminhada.
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Para o Professor Cláudio Torres, pela sua enorme fonte de estímulo.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009.



domingo, 3 de maio de 2009

Brahem e a Luz




















Brahem
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Um alvorecer ameno e transparente. O pequeno David, meu actor permanente durante esta digressão, sempre enérgico e disposto a enfrentar as câmaras, veio até ao cimo da enorme duna ao meu encontro, logo pela manhã. Depressa descobriu que toda aquela imensa elevação de areia lhe permitia uma oportunidade de diversão única, saborosa e absolutamente nova.
Cada um ressurgia do interior das tendas a convite do seu próprio relógio biológico. Ao ritmo da vida que nos acolhia e tranquilizava. Decorreu um pequeno almoço com todos os elementos essenciais para compensar desgastes intensos e formámos a coluna das viaturas para atravessar outro gigantesco banco de dunas e chegarmos a Ramlia 4 horas depois. Lugar de residência da família de Brahem.
Mais 30 quilómetros de surpresas humanas, sempre rodeadas de montanhas colossais que nos reduziam ao tamanho de formigas, num carreiro de máquinas e de pó percorrendo o fundo dos vales, que quase sempre são os leitos de enormes lagos, nesta época do ano já completamente ressequidos.
Em Ramlia tudo me seduziu. Mais do que o que tinha visto até então. Brahem, com os seus familiares e amigos, que tinham ficado no acampamento, cortaram por um atalho para nos receberam de novo à nossa chegada na sua aldeia. Edificada com argila, a mesma taipa visível ainda hoje, nos espaços do Alentejo menos atingidos pelo progresso.
Entrei na casa de Brahem e escolhi o que será o meu futuro espaço em próximas chegadas. Olhei para cima e o tecto cerzido de canas era o mesmo que os seus antepassados deixaram desenhado na casa onde nasci e que ainda hoje me alberga a 10 km de Mértola.
Brahem perguntou-me se queria chá e eu preferi um refresco. Disse-lhe que tudo aquilo me ficaria para sempre gravado na memória, ou talvez na alma. E que a partir de certo momento era inevitável eu regressar ali. Ele não reprimiu as suas emoções ao que eu lhe dizia sobre a arquitectura, sobre a sua gente, sobre a minha casa igual à dele a tão grande distância. Sempre na fronte do expediente, deteve-se uns segundos mais e abraçou-me. - Pois eu quero que venhas e que voltes depressa, que nos tragas amigos. As pessoas que vão passando por aqui, são a nossa única fonte de rendimentos. Regressa bem a casa, amigo. Eu espero-te aqui. - E nisto voltou às suas actividades.
O nosso navegador e comandante de expedição, já acertava os últimos pormenores de pagamento com o irmão mais velho de Brahem e eu aproveitei ainda os restantes minutos para fazer 20 fotografias apressadas, daquele lugar de sonho que não quero nunca mais perder de vista.
Foi dada ordem de partida. Já tinha feito os cumprimentos de despedida e encaminhei-me para o Defender número 12, pilotado pelo Major Carlos Malveiro. A viatura quebrava já a inércia mas voltou a imobilizar-se para uma correcta ordem da coluna.
Sinto que alguém se aproxima do jeep, detendo-se por instantes um pouco atrás da porta do meu lado. A figura humana avançou uns centímetros mais, voltou-se para mim e eu pude ver que era o Brahem. Olhou-me intensamente numa expressão quase mística que fundia o sorriso insinuando uma enorme alegria, e uma nostalgia que parecia deixá-lo às portas da tristeza. Não despregou os olhos de mim nestes escassos 2 minutos. Com uma enorme suavidade, num movimento contínuo e decidido, levantou a mão direita e abriu-a com igual perfeição e sensibilidade. Dela saiu um coração esculpido numa pedra policromática do deserto, depois polida, tornando-o macio e suave como veludo. - Toma! É meu. Mas agora é para ti. - Tens algum presente para mim? - Perguntou-me. Nunca me senti tão incapaz e inútil como naquele instante. Só aquele afecto, irradiado com todo o amor e poder da energia de um Ser, me fez reagir e dizer-lhe: - Não fiques triste. Prometo-te que não demoro.
Voltou a abraçar-me, afaguei-lhe o rosto e o movimento do carro levou-o para trás. Deixando-o no largo, cada vez mais distante num enquadramento de argila e aridez. Imagem superada por uma enorme capacidade de aproximação e de diálogo, enriquecida com o mais inesperado da ternura, perpetuando-se no colo do pensamento como uma infinita dádiva. Que não sei se alguma vez já havia sido gerada, ou mesmo se voltará a ocorrer em todo o futuro deste Universo Colossal.
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Para o Brahem. Por tudo superior, o que nos deu.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009





sábado, 2 de maio de 2009

A Noite Do Deserto









A Noite do Deserto


Levarei o resto do tempo a falar deste universo terrestre e humano. O acampamento nas dunas elevou-se de glória no espírito e nos sentimentos.
Era já noite quando aqui chegámos depois de uma longa travessia sobre as dunas, seguidas de trilhos extensos e ásperos, negros, tingidos de poeiras e basaltos ferrosos triturados pelo tempo, expelidos pelos vulcões há muito extintos.
Passada a primeira tempestade de areia e pó, escureceu. E nas bifurcações dos caminhos daquela paisagem lunar, o GPS do nosso primeiro navegador torceu a direcção por milímetros. Mas poucos quilómetros chegaram para detectar o erro na orientação, que obrigou ao respectivo retrocesso e correcção.
Por fim lá chegámos a uma enorme concha dunar, onde nos aguardava a família de Brahem, que após breve recepção nos reconfortou de imediato os estômagos.
Acendeu-se no centro do acampamento uma fogueira que se erguia alta e festiva. E em seu redor, um grupo de jovens de cor misteriosa como a da noite, ofereciam-nos cânticos e danças marcadas ao ritmo dos tambores e de almas metálicas agitadas p'los dedos, reduzindo naquele instante a trivial, as castanholas de Sevilha.
No cimo da duna mais alta, ao lado esquerdo da instalação do acampamento, existiam movimentos minúsculos que traduziam silhuetas humanas em atenta observação, e ali permaneceram cerca de 2 horas. Aos poucos começaram a deslizar um a um de bruços pelo declive da areia, ovacionando a gravidade até se aproximarem timidamente do acampamento. Eram jovens que percorreram a pé quatro quilómetros, só para nos observarem e poderem partilhar uns instantes de conversa e companhia com gente de outras paragens. Nos recolhimentos da sua timidez, não disfarçaram a vontade de aceitar uma bebida, já integrados no recinto.
Guilhermina Bento a grande expedicionária do bom-senso e do voluntariado desta viagem, mulher que já restaurou todos os vasos islâmicos dos museus de Mértola achados em 30 anos de arqueologia, desmultiplicava-se entre os sorrisos e a atenção dos autóctones, que aos poucos nos iam relatando na mais crente sinceridade, as carências e as alegrias da condição Berbere do interior, ali a meia dúzia de quilómetros da Argélia.
Brahem, no fulgor de uma adolescência quase vivida, brilhava de sorrisos procurando não deixar ninguém alheio à sua amabilidade contagiante. É o menino prodígio dos nossos anfitriãos.
O Pequeno gerador esgotou o combustível. E o luar engrandeceu-se de vigor, salpicado de estrelas rejuvenescidas de tão intensas e incandescentes. Silenciou-se todo o recinto e num ápice, o sono exibiu toda a sua acção e poder, por tão necessário e vital aos movimentos.
Demorei-me mais um pouco ainda, para oferecer uns euros aos miúdos que dançaram e cantaram para nós. Por fim, só restava o ar e o silêncio. Intermitentemente viajava nos sentidos a todos os lugares que conheço, e concluía de satisfação plena, que não substituía aquele por outro qualquer. Até o vento me convencer que toca em todos eles. E que nenhum lugar do planeta deverá ser para nós em consciência e afecto, mais importante ou divino do que outro. Mas sob esta atmosfera reside algo que me envolve e me permite uma plenitude, que ainda está por ler e descodificar.
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Para a Gui, pela sua elevada sensibilidade às imagens que lhe ia mostrando.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009

terça-feira, 28 de abril de 2009

Para Lá do Grande Atlas




Para Lá do Grande Atlas


Em boa hora o Pintor Manuel Passinhas, funcionário dos Serviços Sócio-Culturais da Câmara Municipal de Mértola, me desafiou para integrar a Expedição Mértola-Marrakech que ocorreu de 3 a 12 de Março de 2009.
De África só vislumbrara ainda as colinas que se avistam de Gibraltar e pouco mais.
O Reino de Marrocos havia-me oferecido em 2001 a cidade medieval de Chefchaouen, para onde fui enviado com o prestigiado fotógrafo da National Geografic António Cunha, para me caber a realização de um pequeno documentário "As Duas Medinas" e ao António Cunha captar as imagens para formar o livro "Branca e Azul, A Pele da Taipa" e a correspondente exposição de fotografia. Materiais que viriam a constituir peças importantes do 1º Festival Islâmico de Mértola e depois transferidas para Marrocos num processo de geminação cultural entre Mértola e Chefchaouen, entretanto abrupta e incompreensivelmente amputado.
Para lá daquelas colinas do Estreito que funde o Atlântico e o Mediterrâneo, jorrava uma luz rara, contagiante, no mais profundo de quem faz dela a sua forma de escrita e criação. Inédita, num mistério secreto, inaudito, que só 8 anos depois tive o raro privilégio de transpor, diante das visões amplas de uma liberdade sem limites, que nunca experimentei antes do alcance do Deserto.
Só assim se sente uma tão desconhecida e inovadora proposta de Humanidades, inscrita e exercida pelo coração dos Berberes, que nos arrebata de grandiosa e nos torna ao mesmo tempo pequenos, por termos já no chamado Ocidente, danificado e corrompido terrivelmente o mais puro e genuíno do Ser.
Temos de voltar a aprender, se quizermos ter futuro. Ditam as tábuas do Criador, descontente com o aviltar da espécie contra si mesma.
Desde então já recebi correio e afectos do Deserto. Dizendo num esforço tenaz e dócil no uso do português, que agora é o momento exacto de cortar o trigo e que apesar de difícil, a tarefa é vivida com imenso amor no seio da Natureza e da família.
Retratos verbais que me chegam do outro mundo, mas nem por isso assim de tão longe. Num idioma que não existe. Mas onde redescubro com toda a transparência, imagens por mim arquivadas e se tornam o mais visual da memória, em redor das searas e dos sonhos ao tempo de toda a minha infância, breve, e ao que parece, estranhamente interminável.
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Para o Hammed, um encontro de minutos, na imagem.
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