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Sem Pressas

Entra em todas as portas! Se não tiveres tempo hoje, regressa quando te apetecer ou precisares. Cada texto é uma audição, uma sala em que te encontras só em meditação, e cujas paredes vão progressivamente mudando de cor para auscultares o centro do teu Ser. A Beleza transcendente de um encontro com a tua própria consciência. Abraços. Germano Vaz.

sábado, 2 de maio de 2009

A Noite Do Deserto









A Noite do Deserto


Levarei o resto do tempo a falar deste universo terrestre e humano. O acampamento nas dunas elevou-se de glória no espírito e nos sentimentos.
Era já noite quando aqui chegámos depois de uma longa travessia sobre as dunas, seguidas de trilhos extensos e ásperos, negros, tingidos de poeiras e basaltos ferrosos triturados pelo tempo, expelidos pelos vulcões há muito extintos.
Passada a primeira tempestade de areia e pó, escureceu. E nas bifurcações dos caminhos daquela paisagem lunar, o GPS do nosso primeiro navegador torceu a direcção por milímetros. Mas poucos quilómetros chegaram para detectar o erro na orientação, que obrigou ao respectivo retrocesso e correcção.
Por fim lá chegámos a uma enorme concha dunar, onde nos aguardava a família de Brahem, que após breve recepção nos reconfortou de imediato os estômagos.
Acendeu-se no centro do acampamento uma fogueira que se erguia alta e festiva. E em seu redor, um grupo de jovens de cor misteriosa como a da noite, ofereciam-nos cânticos e danças marcadas ao ritmo dos tambores e de almas metálicas agitadas p'los dedos, reduzindo naquele instante a trivial, as castanholas de Sevilha.
No cimo da duna mais alta, ao lado esquerdo da instalação do acampamento, existiam movimentos minúsculos que traduziam silhuetas humanas em atenta observação, e ali permaneceram cerca de 2 horas. Aos poucos começaram a deslizar um a um de bruços pelo declive da areia, ovacionando a gravidade até se aproximarem timidamente do acampamento. Eram jovens que percorreram a pé quatro quilómetros, só para nos observarem e poderem partilhar uns instantes de conversa e companhia com gente de outras paragens. Nos recolhimentos da sua timidez, não disfarçaram a vontade de aceitar uma bebida, já integrados no recinto.
Guilhermina Bento a grande expedicionária do bom-senso e do voluntariado desta viagem, mulher que já restaurou todos os vasos islâmicos dos museus de Mértola achados em 30 anos de arqueologia, desmultiplicava-se entre os sorrisos e a atenção dos autóctones, que aos poucos nos iam relatando na mais crente sinceridade, as carências e as alegrias da condição Berbere do interior, ali a meia dúzia de quilómetros da Argélia.
Brahem, no fulgor de uma adolescência quase vivida, brilhava de sorrisos procurando não deixar ninguém alheio à sua amabilidade contagiante. É o menino prodígio dos nossos anfitriãos.
O Pequeno gerador esgotou o combustível. E o luar engrandeceu-se de vigor, salpicado de estrelas rejuvenescidas de tão intensas e incandescentes. Silenciou-se todo o recinto e num ápice, o sono exibiu toda a sua acção e poder, por tão necessário e vital aos movimentos.
Demorei-me mais um pouco ainda, para oferecer uns euros aos miúdos que dançaram e cantaram para nós. Por fim, só restava o ar e o silêncio. Intermitentemente viajava nos sentidos a todos os lugares que conheço, e concluía de satisfação plena, que não substituía aquele por outro qualquer. Até o vento me convencer que toca em todos eles. E que nenhum lugar do planeta deverá ser para nós em consciência e afecto, mais importante ou divino do que outro. Mas sob esta atmosfera reside algo que me envolve e me permite uma plenitude, que ainda está por ler e descodificar.
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Para a Gui, pela sua elevada sensibilidade às imagens que lhe ia mostrando.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009

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