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Um alvorecer ameno e transparente. O pequeno David, meu actor permanente durante esta digressão, sempre enérgico e disposto a enfrentar as câmaras, veio até ao cimo da enorme duna ao meu encontro, logo pela manhã. Depressa descobriu que toda aquela imensa elevação de areia lhe permitia uma oportunidade de diversão única, saborosa e absolutamente nova.
Cada um ressurgia do interior das tendas a convite do seu próprio relógio biológico. Ao ritmo da vida que nos acolhia e tranquilizava. Decorreu um pequeno almoço com todos os elementos essenciais para compensar desgastes intensos e formámos a coluna das viaturas para atravessar outro gigantesco banco de dunas e chegarmos a Ramlia 4 horas depois. Lugar de residência da família de Brahem.
Mais 30 quilómetros de surpresas humanas, sempre rodeadas de montanhas colossais que nos reduziam ao tamanho de formigas, num carreiro de máquinas e de pó percorrendo o fundo dos vales, que quase sempre são os leitos de enormes lagos, nesta época do ano já completamente ressequidos.
Em Ramlia tudo me seduziu. Mais do que o que tinha visto até então. Brahem, com os seus familiares e amigos, que tinham ficado no acampamento, cortaram por um atalho para nos receberam de novo à nossa chegada na sua aldeia. Edificada com argila, a mesma taipa visível ainda hoje, nos espaços do Alentejo menos atingidos pelo progresso.
Entrei na casa de Brahem e escolhi o que será o meu futuro espaço em próximas chegadas. Olhei para cima e o tecto cerzido de canas era o mesmo que os seus antepassados deixaram desenhado na casa onde nasci e que ainda hoje me alberga a 10 km de Mértola.
Brahem perguntou-me se queria chá e eu preferi um refresco. Disse-lhe que tudo aquilo me ficaria para sempre gravado na memória, ou talvez na alma. E que a partir de certo momento era inevitável eu regressar ali. Ele não reprimiu as suas emoções ao que eu lhe dizia sobre a arquitectura, sobre a sua gente, sobre a minha casa igual à dele a tão grande distância. Sempre na fronte do expediente, deteve-se uns segundos mais e abraçou-me. - Pois eu quero que venhas e que voltes depressa, que nos tragas amigos. As pessoas que vão passando por aqui, são a nossa única fonte de rendimentos. Regressa bem a casa, amigo. Eu espero-te aqui. - E nisto voltou às suas actividades.
O nosso navegador e comandante de expedição, já acertava os últimos pormenores de pagamento com o irmão mais velho de Brahem e eu aproveitei ainda os restantes minutos para fazer 20 fotografias apressadas, daquele lugar de sonho que não quero nunca mais perder de vista.
Foi dada ordem de partida. Já tinha feito os cumprimentos de despedida e encaminhei-me para o Defender número 12, pilotado pelo Major Carlos Malveiro. A viatura quebrava já a inércia mas voltou a imobilizar-se para uma correcta ordem da coluna.
Sinto que alguém se aproxima do jeep, detendo-se por instantes um pouco atrás da porta do meu lado. A figura humana avançou uns centímetros mais, voltou-se para mim e eu pude ver que era o Brahem. Olhou-me intensamente numa expressão quase mística que fundia o sorriso insinuando uma enorme alegria, e uma nostalgia que parecia deixá-lo às portas da tristeza. Não despregou os olhos de mim nestes escassos 2 minutos. Com uma enorme suavidade, num movimento contínuo e decidido, levantou a mão direita e abriu-a com igual perfeição e sensibilidade. Dela saiu um coração esculpido numa pedra policromática do deserto, depois polida, tornando-o macio e suave como veludo. - Toma! É meu. Mas agora é para ti. - Tens algum presente para mim? - Perguntou-me. Nunca me senti tão incapaz e inútil como naquele instante. Só aquele afecto, irradiado com todo o amor e poder da energia de um Ser, me fez reagir e dizer-lhe: - Não fiques triste. Prometo-te que não demoro.
Voltou a abraçar-me, afaguei-lhe o rosto e o movimento do carro levou-o para trás. Deixando-o no largo, cada vez mais distante num enquadramento de argila e aridez. Imagem superada por uma enorme capacidade de aproximação e de diálogo, enriquecida com o mais inesperado da ternura, perpetuando-se no colo do pensamento como uma infinita dádiva. Que não sei se alguma vez já havia sido gerada, ou mesmo se voltará a ocorrer em todo o futuro deste Universo Colossal.
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Para o Brahem. Por tudo superior, o que nos deu.
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009
Que blogue maravilhoso criaste Germano e que lindíssimas fotos...Fico encantado por conhecer este teu espaço...grande abraço meu amigo...
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