Action Arts TV - Music And Player

Sem Pressas

Entra em todas as portas! Se não tiveres tempo hoje, regressa quando te apetecer ou precisares. Cada texto é uma audição, uma sala em que te encontras só em meditação, e cujas paredes vão progressivamente mudando de cor para auscultares o centro do teu Ser. A Beleza transcendente de um encontro com a tua própria consciência. Abraços. Germano Vaz.

domingo, 17 de maio de 2009

Os Pastores... Os Motores...







Ox Alá
_____________________________________

Nos tempos actuais assistimos por todo o mundo ocidental a um incontestável quebrar de afectos entre o Homem e a Natureza. Realidade que, parece estar a inverter a ordem dos seus factores. E se propõe alterá-los, é porque começou a perceber que perverteu e desvirtuou a parte mais sensível do caminho, que tanto importava estimar e proteger.
A necessidade de domesticar animais que sensibilizou a humanidade na passagem da Era Megalítica para a Era Histórica e Civilizacional, e que lhe formou em muito o que tem sido a evolução do pensamento, sofre no presente momento um corte obtuso de relacionamento e de laços, que o atiram sem quase dar por isso, para uma desolação e uma perigosa frieza no conjunto das relações e convivências. Deixando observar a uma escala de enormidades, a degradação da Aliança, que ao Homem foi confiada pelo mais íntimo da Criação.
As cercas de arame cravado de farpas, como os espinhos da coroa do Crucificado, e as mais sarcásticas ainda, que actuam por electrocussão agredindo-os com violentos choques eléctricos, que na des-economia da habilidade e da mentira foram instaladas para limitar a vida animal a simples materiais de consumo, e por outro lado, para que as vedações substituam a mão-de-obra dos Pastores, é na minha apreciação um dos maiores vandalismos da História. Só quem partilha de perto, os diálogos que um pastor estabelece com o seu rebanho e a resposta recíproca deste em seu seguimento, pode perceber o contraste desta diferença anómala, tristemente acéfala e irracional.
Do meu olhar recente a este Mundo de encantamentos, um deles, tão enorme e virtuoso como sentir no pleno da noite o calor das Estrelas, é observar e sentir que os laços antigos entre os homens e os animais, que o mais longínquo da Existência nos confiou, ainda se exprime num vigor intacto e surpreendentemente afectivo.
Aproveitando as últimas linhas de água que vão humedecendo as raízes dos vegetais ao longo de centenas de quilómetros, os pastores e as suas gentes, apascentam os animais, e estimam-nos como se de si mesmos se tratasse.
No meio deste grandioso reduto da vida, eu, deslumbrado com tudo o que podia percorrer aquém e além do presente, interrogo os meus silêncios, que quase sempre são o mais forte dos diálogos, sobre a legitimidade deste desfile de máquinas poderosas que nos trouxe até aqui. Para, no centro desta profunda interrogação, logo me surpreender o ruidoso impacto de um grupo de viajantes montados em veículos de duas rodas, quiçá como cavaleiros do desespero.
Se esta é a alternativa, a única possibilidade de chegarmos aqui para tornar legível o registo, de que toda esta última riqueza do Planeta deve ser poupada às calamidades da sub-civilização dos mono-tipos biológicos e fraternais, então, bem-hajam os motores. Exista neles ao menos uma virtude ou ponderada consequência, dentro de todo o impressionante desperdício para que foram criados.
__________________________________________________________
Para o amigo Carvalho, mecânico de serviço na expedição, homem generoso, sempre pronto a ouvir e a socorrer.
__________________________________________________________
Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores-5/2009.

domingo, 10 de maio de 2009

Jurassique Hotel





Amzouj

O Primeiro grande impacto com estes espaços gigantescos e esta Natureza, só aparentemente precária e débil, foi no cimo das montanhas de Amzouj, que deixam observar o enunciado das Gargantas do Ziz, num esplendor de luz e geologia, que me indicaram o mais certeiro dos destinos.
Lá em baixo, as tonalidades do rio, prosseguem como uma lava de prata já purificada, dirigida aos olhos e ao virtuosismo dos artesãos de joalharia. Fugaz e breve, este instante que nos ofereceu tão memorável riqueza, anunciava-nos uma sequência de constantes surpresas que nos preenchem e removem por dentro, buscando em nós a descoberta para outra dimensão do apreço pela Terra e pelos Seres que a habitam, que talvez já supuséssemos erradicado da nossa sensibilidade.
Na noite anterior decorria a encenação bem divertida de um casamento berbere, entre o primeiro herdeiro do trono Jurassique, e a Zeza, que em Mértola lida diariamente com euros para sugestões agrícolas.
Zeza e Gui, partilhavam o banco traseiro da Strakar do amigo Malagueta. Como a esta viatura foram atribuídas suspensões traseiras uniformes, sustentadas por molas de lâminas como as das antigas charretes, de cada vez que as duas musas saiam numa pausa, quase precisavam de uma bengala adequada à terceira idade. Mas as queixas nos quadris eram passageiras. Tanto mais que Zeza, ensaia dança oriental em Mértola e depois do Jantar no Jurassique, Gui não lhe deu descanso enquanto não a fez decidir-se a dar-nos uma exuberante exibição.
Aqui é normal os bailes ocorrerem na base de performances masculinas, tal como já se haviam pronunciado. Mas uma vez vestida a rigor, Zeza entrou na dança e de imediato partiu o coração aos nativos. Que até ali dançavam com o estímulo apenas pela metade.
A seguir, a cerimónia matrimonial entre Salam e Zeza assente nas regras berberes, quase se assumiu como real. Entre promessas de transmissão da herança do palácio para a posse da noiva, e a nostalgia de um noivo crente e convicto, quase não foi possível desmontar o que à partida se tomou como uma cena de teatro.
Apesar de divertida, a noite, no salão principal do hotel, saí até ao exterior para apanhar ar e de imediato me surpreender com uma atmosfera calma e sereníssima, purificadora. A Terra aqui, a Lua além, entre estrelas agitadas e luminosas, chamaram-me à memória José Afonso e a sua extraordinária canção "Eu Dizia", que introduzi no pequeno filme "Entre as Estrelas e o Chão", para o Centro de Interpretação da Paisagem da Amendoeira da Serra.
Alessandro, um jovem luso-italiano vindo do Algarve, interceptou-me no isolamento da contemplação e afirmou com a voz de um monge que busca a perfeição: - Como está espiritual este céu, esta noite... Aqui, as estrelas brilham mais. Dão-nos energia e força. - Sobre tudo força espiritual! Disse-lhe. Que é a mais benévola e essencial. E já nos parece tão rara, suspensa, até interdita, naqueles lugares de onde viemos...
_________________________________________________________
Para o Salam e para a Zeza, pela noite espectacular que nos proporcionaram.
_________________________________________________________
Copyright: Germano Vaz - Worlds Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009

terça-feira, 5 de maio de 2009

A Idade do Mundo







A Idade do Mundo
Se dos anéis internos dos fustes das árvores podemos definir ou determinar a sua idade, este é o lugar certo para aferirmos a idade do Mundo.
Este é o título que decidi atribuir a um projecto ainda em construção e que leva já muito de recolhas visuais e gestação no pensamento. Julgava eu poder dar-lhe o primeiro remate conclusivo com base nas recolhas que realizei nos últimos anos no âmago do chão de Mértola e no outro extremo em frente, junto do mar.
Ainda bem que, outros motivos me fizeram esperar. Pois agora sei que ele ficaria em muito deminuído se não estendesse o olhar e os sentidos a esta enorme massa geológica, em que se assenta todo o Norte do continente africano.
É óbvio que esta Idade do Mundo, surge sustentada pelos ímpetos poéticos que continuamente me orientam e movem. Mas, pondere, quem pretender dissociar na mais antiga aliança do conhecimento, a energia que estimula o interesse do cientista e o leva ao fundo das conclusões, e aquela que descodifica a mais íntima matéria dos Universos e a torna transparente, discernível, formada no espírito e emitida pelo fio óptico e sensorial do Prisma, que encerra todo o segredo da Poesia.
No dia da abertura da Expo 98, foi lançado para o Espaço num foguetão da NASA o primeiro satélite português. O Posat 1. Durante a longa emissão televisiva que fusionava os dois acontecimentos, uma das cientistas em interrogatório mediático afirmou: - Só há duas maneiras de conhecermos ou dialogarmos com o Universo. Uma é estudando astrofisica, e a outra está inscrita na sorte de ter-se nascido poeta.
Se a mim não me foi proporcionada a oportunidade de ser cientista em qualquer tempo da minha existênca e se aos sete anos de idade, fui pela mesma energia de hoje impulsionado a compor os meus primeiros versos, não será complexo poder definir que existem múltiplas formas de observação e análise do Universo e que a primeira se estabelece entre o ponto onde pões os pés e um outro, que é a superfície onde batem persistentemente os teus olhos. Ou para lá deles, até onde podem navegar os sentidos.
Destas superfícies visivelmente estractificadas, umas sobre enormes massas de xisto, outras vindas da irreverente inquietude dos vulcões, nos chega a inspiração que nos envolve e impressiona sobre a grandeza e o poder do Mundo. Sobre o seu poder generoso e por vezes austero, sobre a sua beleza infinita e a sua eminente fragilidade.
Sobre estas montanhas íngremes, enormes, quase apocalípticas, em que os olhos quase não vislumbram mais nada senão rochas, é ainda possível observarmos pastores e rebanhos em busca de alimento. Para nossa surpresa e espanto, num território em posição crítica de sobrevivência e sustentação, descobrem-se soluções indicadas pelos animais e rigorosamente interpretadas pelos seres humanos. Uma generosa troca, de ensinamento e aprendizagem levada ao extremo do exemplo, que permite a ambos permanecerem e prosseguirem juntos na enorme caminhada.
__________________________________________________________
Para o Professor Cláudio Torres, pela sua enorme fonte de estímulo.
__________________________________________________________
Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009.



domingo, 3 de maio de 2009

Brahem e a Luz




















Brahem
___________________________________

Um alvorecer ameno e transparente. O pequeno David, meu actor permanente durante esta digressão, sempre enérgico e disposto a enfrentar as câmaras, veio até ao cimo da enorme duna ao meu encontro, logo pela manhã. Depressa descobriu que toda aquela imensa elevação de areia lhe permitia uma oportunidade de diversão única, saborosa e absolutamente nova.
Cada um ressurgia do interior das tendas a convite do seu próprio relógio biológico. Ao ritmo da vida que nos acolhia e tranquilizava. Decorreu um pequeno almoço com todos os elementos essenciais para compensar desgastes intensos e formámos a coluna das viaturas para atravessar outro gigantesco banco de dunas e chegarmos a Ramlia 4 horas depois. Lugar de residência da família de Brahem.
Mais 30 quilómetros de surpresas humanas, sempre rodeadas de montanhas colossais que nos reduziam ao tamanho de formigas, num carreiro de máquinas e de pó percorrendo o fundo dos vales, que quase sempre são os leitos de enormes lagos, nesta época do ano já completamente ressequidos.
Em Ramlia tudo me seduziu. Mais do que o que tinha visto até então. Brahem, com os seus familiares e amigos, que tinham ficado no acampamento, cortaram por um atalho para nos receberam de novo à nossa chegada na sua aldeia. Edificada com argila, a mesma taipa visível ainda hoje, nos espaços do Alentejo menos atingidos pelo progresso.
Entrei na casa de Brahem e escolhi o que será o meu futuro espaço em próximas chegadas. Olhei para cima e o tecto cerzido de canas era o mesmo que os seus antepassados deixaram desenhado na casa onde nasci e que ainda hoje me alberga a 10 km de Mértola.
Brahem perguntou-me se queria chá e eu preferi um refresco. Disse-lhe que tudo aquilo me ficaria para sempre gravado na memória, ou talvez na alma. E que a partir de certo momento era inevitável eu regressar ali. Ele não reprimiu as suas emoções ao que eu lhe dizia sobre a arquitectura, sobre a sua gente, sobre a minha casa igual à dele a tão grande distância. Sempre na fronte do expediente, deteve-se uns segundos mais e abraçou-me. - Pois eu quero que venhas e que voltes depressa, que nos tragas amigos. As pessoas que vão passando por aqui, são a nossa única fonte de rendimentos. Regressa bem a casa, amigo. Eu espero-te aqui. - E nisto voltou às suas actividades.
O nosso navegador e comandante de expedição, já acertava os últimos pormenores de pagamento com o irmão mais velho de Brahem e eu aproveitei ainda os restantes minutos para fazer 20 fotografias apressadas, daquele lugar de sonho que não quero nunca mais perder de vista.
Foi dada ordem de partida. Já tinha feito os cumprimentos de despedida e encaminhei-me para o Defender número 12, pilotado pelo Major Carlos Malveiro. A viatura quebrava já a inércia mas voltou a imobilizar-se para uma correcta ordem da coluna.
Sinto que alguém se aproxima do jeep, detendo-se por instantes um pouco atrás da porta do meu lado. A figura humana avançou uns centímetros mais, voltou-se para mim e eu pude ver que era o Brahem. Olhou-me intensamente numa expressão quase mística que fundia o sorriso insinuando uma enorme alegria, e uma nostalgia que parecia deixá-lo às portas da tristeza. Não despregou os olhos de mim nestes escassos 2 minutos. Com uma enorme suavidade, num movimento contínuo e decidido, levantou a mão direita e abriu-a com igual perfeição e sensibilidade. Dela saiu um coração esculpido numa pedra policromática do deserto, depois polida, tornando-o macio e suave como veludo. - Toma! É meu. Mas agora é para ti. - Tens algum presente para mim? - Perguntou-me. Nunca me senti tão incapaz e inútil como naquele instante. Só aquele afecto, irradiado com todo o amor e poder da energia de um Ser, me fez reagir e dizer-lhe: - Não fiques triste. Prometo-te que não demoro.
Voltou a abraçar-me, afaguei-lhe o rosto e o movimento do carro levou-o para trás. Deixando-o no largo, cada vez mais distante num enquadramento de argila e aridez. Imagem superada por uma enorme capacidade de aproximação e de diálogo, enriquecida com o mais inesperado da ternura, perpetuando-se no colo do pensamento como uma infinita dádiva. Que não sei se alguma vez já havia sido gerada, ou mesmo se voltará a ocorrer em todo o futuro deste Universo Colossal.
__________________________________________________________
Para o Brahem. Por tudo superior, o que nos deu.
__________________________________________________________
Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009





sábado, 2 de maio de 2009

A Noite Do Deserto









A Noite do Deserto


Levarei o resto do tempo a falar deste universo terrestre e humano. O acampamento nas dunas elevou-se de glória no espírito e nos sentimentos.
Era já noite quando aqui chegámos depois de uma longa travessia sobre as dunas, seguidas de trilhos extensos e ásperos, negros, tingidos de poeiras e basaltos ferrosos triturados pelo tempo, expelidos pelos vulcões há muito extintos.
Passada a primeira tempestade de areia e pó, escureceu. E nas bifurcações dos caminhos daquela paisagem lunar, o GPS do nosso primeiro navegador torceu a direcção por milímetros. Mas poucos quilómetros chegaram para detectar o erro na orientação, que obrigou ao respectivo retrocesso e correcção.
Por fim lá chegámos a uma enorme concha dunar, onde nos aguardava a família de Brahem, que após breve recepção nos reconfortou de imediato os estômagos.
Acendeu-se no centro do acampamento uma fogueira que se erguia alta e festiva. E em seu redor, um grupo de jovens de cor misteriosa como a da noite, ofereciam-nos cânticos e danças marcadas ao ritmo dos tambores e de almas metálicas agitadas p'los dedos, reduzindo naquele instante a trivial, as castanholas de Sevilha.
No cimo da duna mais alta, ao lado esquerdo da instalação do acampamento, existiam movimentos minúsculos que traduziam silhuetas humanas em atenta observação, e ali permaneceram cerca de 2 horas. Aos poucos começaram a deslizar um a um de bruços pelo declive da areia, ovacionando a gravidade até se aproximarem timidamente do acampamento. Eram jovens que percorreram a pé quatro quilómetros, só para nos observarem e poderem partilhar uns instantes de conversa e companhia com gente de outras paragens. Nos recolhimentos da sua timidez, não disfarçaram a vontade de aceitar uma bebida, já integrados no recinto.
Guilhermina Bento a grande expedicionária do bom-senso e do voluntariado desta viagem, mulher que já restaurou todos os vasos islâmicos dos museus de Mértola achados em 30 anos de arqueologia, desmultiplicava-se entre os sorrisos e a atenção dos autóctones, que aos poucos nos iam relatando na mais crente sinceridade, as carências e as alegrias da condição Berbere do interior, ali a meia dúzia de quilómetros da Argélia.
Brahem, no fulgor de uma adolescência quase vivida, brilhava de sorrisos procurando não deixar ninguém alheio à sua amabilidade contagiante. É o menino prodígio dos nossos anfitriãos.
O Pequeno gerador esgotou o combustível. E o luar engrandeceu-se de vigor, salpicado de estrelas rejuvenescidas de tão intensas e incandescentes. Silenciou-se todo o recinto e num ápice, o sono exibiu toda a sua acção e poder, por tão necessário e vital aos movimentos.
Demorei-me mais um pouco ainda, para oferecer uns euros aos miúdos que dançaram e cantaram para nós. Por fim, só restava o ar e o silêncio. Intermitentemente viajava nos sentidos a todos os lugares que conheço, e concluía de satisfação plena, que não substituía aquele por outro qualquer. Até o vento me convencer que toca em todos eles. E que nenhum lugar do planeta deverá ser para nós em consciência e afecto, mais importante ou divino do que outro. Mas sob esta atmosfera reside algo que me envolve e me permite uma plenitude, que ainda está por ler e descodificar.
__________________________________________________________
Para a Gui, pela sua elevada sensibilidade às imagens que lhe ia mostrando.
__________________________________________________________
Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 5/2009