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Que diria Jesus de Nazaré se, ao que nos era proposto a sua viva presença tivesse retornado à Terra, ou na verdade, enraizada no coração dos homens… Estremeceria, talvez de surpresa, de espanto e de arrependimento. Pelo derramar do seu talento intransponível, da sua dedicação e sofrimento. Por paixão, que no terreiro planetário se esfuma atrás de um milhão de argumentos, sempre repetidos no reinventar da miséria da filosofia dos que por cá ficaram, e em muitas mais desculpas procuram depurar nos oratórios dos fóruns, essa provocação universal que espraia o vazio sobre as sensibilidades e o pensamento, entre a mensagem primordial e todo o tempo de mais de dois milénios, desde, mesmo antes do seu assassinato, até aos presentes dias.
Escolhi Mértola como cenário, porque atrás daquela luz, bem podia estar o pátio em que o Divino Complacente reconfortava alguns dos seus seguidores mais sofridos. Enquanto sua mãe o procurava para o alertar sobre os perigos eminentes que ele corria. Aliás, perseguido e ameaçado sempre, desde Herodes a Pôncio Pilatos. Um dos seus irmãos, de quem não via bem o rosto mas que me parecia ser Tiago, junto a ela, dizia-lhe: Vês…! Olha para ti e não reage. Nem sequer te reconhece. É como se não existisses. - Como podes tu julgá-lo dessa maneira? Só o amor que o envolve àqueles sofredores o pode ter obrigado a ignorar a nossa presença… E nisto o irmão de Jesus afasta-se como se não corroborasse das palavras e certezas de sua mãe. Maria, sozinha então, voltava a mostrar-se a Jesus a uns trinta metros de distância e depois, de novo se ocultava atrás de uma esquina. Só por uma vez, Jesus cruzou o seu olhar com o de sua mãe, e nem aí deixou transmitir qualquer sinal que lhe dissesse que podia esperar por ele. A imensa fila de desalentados tinha reduzido de tamanho e um dos seus assistentes avisa-o de que devem seguir para a praça da cidade onde o aguardava uma enorme multidão para o ouvir. Maria, tinha então abandonado a espera e já retomava o caminho de volta. Sabendo das convicções de Jesus, conhecendo a Natureza da sua infinita generosidade, regressava a casa firme do seu amor, mas não sabendo esconder alguma tristeza por o filho não a ter recebido. Por não poder transmitir-lhe as suas inquietações de mãe, acerca das perseguições acéfalas que lhe movia o governador da Judeia.
- Mãe…! - Maria interrompeu os passos. A expressão do seu rosto alterou-se. De uma nostalgia contida para uma luminosidade de esplendor único, só atribuída à inocência. E voltou-se para ele já a sorrir. Jesus deu mais uns passos e chegou até ela. Nunca os olhos de Jesus libertaram tanto brilho. Nunca o seu rosto disse amar tanto como naquele instante. Abraçou-a e disse-lhe: - Tenho de ir. Não posso interditar o caminho. A multidão espera-me na praça. Estão ansiosos por me ouvir. Maria recuperou as suas forças e ficou a olhá-lo serenamente, enquanto Jesus se dirigia para a Ágora. Para além de saber que aquele era o último discurso de Jesus, Maria sabia também que a sua entrega plena àqueles a quem aliviava o sofrimento momentos antes, foi o único motivo da espera em que ele parecia nem sequer reconhecê-la. Este foi o último abraço, o instante em que ela viu o filho em liberdade pela última vez. Só através do amor entregue neste momento, é que Maria pôde superar a dor tremenda que lhe fora causada por todo o posterior sofrimento do filho.
Devo poder contar apenas pelos dedos das mãos, as sensibilidades que em todo o Universo conhecido, agiram perante os outros em conformidade com estas orientações. Tudo o que a governança do Mundo, da escala mais medíocre á mais descomedida possa dizer para justificar a ausência de solidariedade, que espelha o açambarcar de riquezas acumuladas, na posse dos imperadores da actualidade, desde as seis corporações de banqueiros que controlam o dinheiro de todo o Mundo, até á politicazinha de paredes-meias com os nossos casebres, são entretenimentos para suster a razão dos menos remunerados e legalizar o descalabro, o desvario que sujeita a Humanidade à proibição de ter esperança e de ter Justiça. Até da esperança, as habilidades da retórica e da propaganda fazem alegorias e vitórias. Para logo a seguir, transformarem os sonhos que fazem parte da nossa estrutura ancestral, em contentores de vácuo e de ruína.
Onde estão as décadas de promessas contínuas para o debelar das crises? Onde estão os Séculos de experiência colhida dos horrores das colonizações e das guerras? Onde está o conteúdo, o significado de igualdade reclamado no ímpeto poético das Revoluções? Onde está o poder da arte que sustenta as ogivas das catedrais? Talvez seja só poder, porque a Arte reside na fé onde se potencia o espírito de cada Ser. Onde está a capacidade dos reverendos perverterem, ou mesmo só contornarem a fidelização cega ao seu imperador, e colocarem-se em campo para seguirem o chamamento da pureza e da dignidade do espírito como verdadeiros missionários...?
De repente, parece que o Mundo deixou de ter fundo-de-maneio a circular… Aprisionaram-no no pragamatismo da crise. As televisões abrem as notícias com espectáculos de pavor, para que o intervalo dos anúncios renda mais do que o do dia anterior. Os Canais das novelas embalam os cérebros para as realidades saberem a ficção. A cidade do cinema da Califórnia propõe aos jovens de todo o Mundo, uma estrutura de pensamento, que exala violência e distânciamento da solidariedade. Uma frieza vítria e perigosa...! Quantas escolas são metralhadas em cada ano? Onde nasce o desnorte que produz tal aberração? Quem arrecadou o dinheiro de repente…? Quem é que fabrica marginais...? Por onde passa a retoma…? Pela inflação, ou pela deflação…? Qual é o índice de sub-escravos postos na rua em cada dia...? Qual é a peste que vai provocar a próxima pandemia? Que dirá a isto a Justiça, ou ela é formada sob o manto de quem manda...? Jesus e Marx fundiram-se em José Afonso... Quem deu por ela...? Já tem cama e sepultura, toda a Terra… Pai, perdoa-lhes. Que eles não sabem o que fazem…!
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Copyright: Germano Vaz - World Arts Gallery - Sociedade Portuguesa de Autores - 11/2009
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